quarta-feira, 26 de outubro de 2011

SONETO A FLORBELA ESPANCA

Sôfrega madrugada, decrépita fechadura,
insano incômodo a lhe silenciar os versos,
sem o afeto, degenerou-se com barbitúrico;
a vida e a morte incendiaram a clausura.

Florbela murchou silenciosa e solitária.
Amar? Amar indefinidamente, sempre!
Sofrendo a dor latente, gritante, na agrura,
a dor extravasada em amargas palavras.

Obra e vida confundida, exaltada,
a poesia acalentando a alma,
e suas feridas rotuladas em seu livro de mágoas.

Sofrem os amantes desta flor literária,
a dor pungente de escarafunchar teus versos
e silenciar ao rodapé de vossos anelos.
Código do texto: T2837427
Sandro Colibri

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Castro Alves visita a favela




Cala o teu ego em meu espírito,
meu conspícuo Castro Alves,
pois teu negreiro ainda sussurra,
o açoite, a fome e outras mazelas.
Por que perturbas minha consciência?
Ouço teus passos adentrando na favela.

Voga tua poesia sobre este esgoto fétido,
a queimar-lhe as narinas,
sob o céu cinzento e em aberto.
Sob teus pés, a urina e o ranço,
de pelados e maltrapilhos;
dos herdeiros da casta marginalizada.

Clama do céu meu amigo poeta.
Roga com a beleza de teus versos,
ao teu povo tão amado e sofrido;
venha nova libertação.
Voga tua poesia silenciando o pranto,
entre as tábuas frias as lágrimas prostituídas.

Sossega teu ego em meu espírito,
enquanto adormeço fitando tua mão,
tristemente empunhando a pena.
Idos, cento e trinta e seis anos,
ainda ouves o tortuoso lamurio.
Voga tua poesia Castro Alves.

Vejo-te na favela, numa imensidão de barracos,
sobre o rastro do árduo batalhador
e dos comensais traficantes.
Vide a inocência desvanecida pelas armas,
pelo medo e pela falta de oportunidades
e voga em tua poesia, que a esperança prevaleça.



(2º Lugar Concurso Poesiarte em Foco 2007 - Rio de Janeiro)


Código do texto: T559868
Sandro Colibri

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

NICOLAU, o gatinho PALOCCIANO...

Naquele dia turvo, o mansíssimo felino da raça Khao Manee, ronronava seu tédio enquanto se espreguiçava no macio travesseiro de penas de ganso do Danúbio. No aconchegante gabinete, já estava acostumado com o movimento, com o falatório e com os mimos de seu dono.
Nicolau reinava absoluto, muitas vezes sobre a mesa bem entalhada em mogno, deitava e rolava, enquanto seu dono recitava embasbacado, toda nobreza daquela penugem branca feito neve e daquele par de olhos, azul/âmbar típico da raça.
Entretanto, neste fatídico dia, havia algo incomum incomodando o ambiente, com passos confusos seu senhorio de meia idade atravessava a saleta, rodeava a mesa, teclava incansavelmente ao telefone, enquanto o pobre bichano sucumbia ao desvario.
Em algum momento, houve um silencio e os passos confusos declinaram, agora o homem rotundo organizava a mesa dividindo-a em duas partes, do lado direito, dispusera dossiês, arquivos secretos e um prato de petiscos sabor salmão e do lado esquerdo; projetos, extratos bancários, um histórico de seu desempenho parlamentar, uma carta de demissão e um prato de petiscos sabor Caviar. Era uma obstinada esperança que brotará em seu consciente, se o Polvo Paul havia acertado tantos resultados, porque o seu belo e sabido gato não haveria de ajudá-lo naquela irreparável decisão.
Sem perder tempo acariciou Nicolau e colocou-o sobre a mesa, foram minutos angustiantes pela indecisão do amado companheiro...
Horas mais tarde anunciava-se em rede nacional: Casa Civil anuncia demissão; Gleisi Hoffmann (PT) deve ocupar a vaga.

Código do texto: T3022236
Sandro Colibri

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O chuveirinho da discórdia...

O chuveirinho da discórdia... (mini conto)


Ana era daquelas tias solteironas, avessa aos homens e seus desejos carnais. Cléo aquela sobrinha, tipo mignon, na tenra idade, avessa a qualquer proibição ou comportamento moderado. Ana, apesar de sua neura, apetecia sua insanidade momentânea debaixo de uma torrencial chuveirada, ali, todos os seus sentidos e remissões eram deliciosamente exorcizados. Cléo, a ninfa afoita pelas aventuras e delírios da mocidade, esvai-se nas copulações de sua agenda de ficantes.
Cléo, horrorizava-se! A tia esquecia-se no caloroso e prazeroso chuveirinho.
Ana, obstinada... E a cada nova conta de água ou de luz, uma nova cobrança da sobrinha.
Código do texto: T3177316
Sandro Colibri

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Cego do Maio


Emerge das páginas da história,
um vulto envolto em bravura.
Salve, José Rodrigues Maio;
Varzim reverencia a tua nobre postura.

Hábeis mãos na trama da rede,
livre espírito, coração valente.
Quantas vidas, num ato abnegado,
por tua coragem foram poupadas.

Atirando-se no mar bravio,
sem temor enfrentando a correnteza,
inspirou os gestos de um povo gentil,
concebê-lo a imagem de vossa grandeza.

Um busto forjado com orgulho,
para glória de um singelo pescador;
medalhas, diplomas, a Torre e Espada,
tributos que comprovam o teu valor.

Em mil, oitocentos e oitenta e quatro,
no céu fez-se soar uma trombeta
e partiu o Cego do Maio,
entre anjos, aclamado em sua última tormenta.

Tantos foram os seus feitos,
que assim está exposto,
no centro da grande praça,
contempla-se o belo rosto.

Como antes, ainda vigia,
com os olhos da grande águia.
Santo seja, benemérito salva-vidas!
Santo seja, glorioso Cego do Maio.

Sandro Colibri em 27/09/2007Código do texto: T671270

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Desagravo poético pela humanidade



Eis-me aqui,
no lodo de meus pensamentos,
envolto em minha insanidade temporária.

Sou Deus, apontando teus erros.
Teu pecado envergonha-me,
dei-lhe o mundo e o destruístes,
dei-lhe a vida e de outro a roubastes,
dei-lhe a inteligência
e com ela construístes armas de destruição em massa.
Dei-lhe o pão e com quem tens dividido?
Teu ódio aniquilou minha presença,
tua revolta, aproximou-te do mal,
tua indecência causou-me asco;
vedes; doenças, preconceito, fome...
E como não lembra-lo dos filhos que te enviei,
contudo, em tua ignorância... Desprezastes!
Tua inveja despertou minha irá,
tua prepotência, minha indignação,
porém, em minha benevolência,
estendo-lhe novamente a mão.
Entretanto, não lhe darei outros mandamentos,
nem lhe farei ouvir novos ensinamentos...
Dar-te-ei somente um espelho fosco,
para que em tua imagem não vejas vaidade;
mas a beleza desta vida que vós concedo.

Eis-me aqui, um poeta,
digerindo os venenos da humanidade...
Oscilando entre o céu e o inferno,
temeroso do julgamento de meus pares,
todavia, há de ser breve a agonia.
E que se multiplique sobre a terra,
os homens de boa vontade.
Eis-me aqui,
diante de leões e carrascos,
a vislumbrar os anjos que me aguardam.
por Sandro Colibri em 12/04/2007
Reeditado em 11/01/2010
Código do texto: T447157

terça-feira, 4 de outubro de 2011

AQUELE BEIJO.


Quando beijavas, docemente,
a língua delicada e ávida,
de lábios ávidos, ardentemente
desejavas o mel da vida
e a respiração ofegante,
no enlace daquele abraço, único
e úmido permanecia o desejo
e o peito arfava ansiedades.
Beijavas a flor lasciva
e naquele olhar flamejante,
deixavas um querer absoluto;
língua confrontando língua
e dividindo sabores e malicias:
E enquanto beijavas, desejavas sempre mais.
Sandro Colibri
Código do texto: T3255607